Apresentando Clarice Lispector Maria Isolina de Castro Soares Clarice Lispector (1920-1977) nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, e a família veio para o Brasil em 1922, fugindo da perseguição aos judeus na Europa. A escritora lançou seu romance de estreia, Perto do coração selvagem, em 1943. A partir dessa publicação, inúmeros olhares se voltaram para sua obra, hoje consagrada como uma das mais importantes da literatura brasileira em todos os tempos. Clarice, no entanto, já publicara em jornais e revistas antes de lançar seu primeiro livro. Em 1940, quando ainda cursava a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil (hoje UFRJ), ela ingressou no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão criado por decreto de Getúlio Vargas, em 1939, visando à propagação dos ideais do Estado Novo. A princípio, Clarice Lispector exerceu a função de tradutora, mas trabalhou também como redatora da Agência Nacional, que era o órgão responsável por divulgar atos do governo. Sua primeira reportagem, “Onde se ensinará a ser feliz”, foi publicada em 19 de janeiro de 1941, no Diário do Povo, de Campinas (SP), relatando a visita da primeira-dama da República, Darcy Vargas, a um orfanato feminino. No ano seguinte, ela começou a trabalhar como redatora de A Noite e obteve o registro de jornalista em 1944. Clarice exerceria essa profissão até dois meses antes de falecer, excetuando-se o período em que viveu no exterior como esposa do diplomata Maury Gurgel Valente. Clarice Lispector fala para a TV Cultura, em entrevista ao programa Panorama no dia 1º de fevereiro de 1977, que desde que começou a ler começou a escrever. Enviava suas histórias para os jornais, como para a seção infantil do Diário de Pernambuco –Clarice morou no Recife quando criança –, mas não conseguia que fossem publicadas. Ela percebia que as histórias que eram selecionadas para publicação possuíam enredo, apresentavam sequência de fatos, enquanto as suas pautavam-se em sensações e emoções. Mesmo assim, não mudava a construção de seus textos. E Clarice confessa: Lia as outras histórias, gostava mais das outras histórias que das minhas, mas não queria mudar, não me sentia injustiçada, porque percebia a razão da recusa sistemática. Mas era assim. Teimosa a ponto de, quando uma professora, me apontando um desenho meu, insinuou “falta uma coisa aqui, não é?”, eu respondi: “Nasceu assim, fica assim mesmo”. (LISPECTOR apud NUNES, 2006, p. 34). Na mesma entrevista da TV Cultura, Clarice diz que sempre escreveu muito e, já adolescente, como era uma “tímida ousada”, levava seus textos para jornais e revistas, para tentar publicá-los. Certa vez, levou um conto à redação da revista carioca Vamos Ler!. Foi recebida por Raimundo Magalhães Júnior. E conta: “Ele olhou, leu um pedaço, olhou pra mim e disse: – Você copiou isso de quem? Eu disse: – De ninguém, é meu. – Você traduziu? Eu disse: – Não. Ele disse: – Então vou publicar”. (LISPECTOR, 1977). Saem, então, naquela revista, os contos “Eu e Jimmy” e “Trecho”. Publicam a tradução de O Missionário, de Claude Farrère. E aparece a Clarice jornalista em “Uma hora com Tasso da Silveira” e “Uma visita à casa dos expostos”. Tem-se aí a Clarice ficcionista, entrevistadora, repórter e tradutora. Também na revista semanal Vamos Ler! Clarice assume pela primeira vez a função de entrevistadora, que seria retomada mais tarde nas revistas Manchete (1968/1969) e Fatos e Fotos/Gente (1976/1977). De março de 1959 a janeiro de 1964, Clarice publicou em Senhor. Seu primeiro texto naquele periódico foi o conto “A menor mulher do mundo”, no primeiro número da revista. Mais tarde, passa a escrever, no mesmo veículo, uma coluna denominada “Children’s Corner”. Os textos dessa coluna foram reunidos sob o título de “Fundo de Gaveta” e publicados como uma segunda parte de A Legião Estrangeira (1964) e só em 1978 são editados autonomamente em Para não esquecer. A partir de 1962, na mesma Senhor, passa a escrever para a seção “Sr. & Cia”, além de publicar crônicas e contos fora da coluna. Convidada por Alberto Dines, Clarice passa a escrever crônicas semanais para o Caderno B do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, atividade que dura de 1967 até final de 1973. De 1968 a 1969, entrevista personalidades para a revista Manchete, numa coluna de nome “Diálogos Possíveis com Clarice Lispector”. As contribuições publicadas no Jornal do Brasil foram reunidas, em ordem cronológica, num volume intitulado A Descoberta do Mundo, publicado em 1984 pela Editora Nova Fronteira. Outra incursão de Clarice Lispector no jornalismo diz respeito às páginas femininas que assinou. Para escrever a coluna “Entre Mulheres”, que ocupava uma página inteira do jornal Comício, cujo primeiro número foi às bancas no dia 15 de maio de 1952, Rubem Braga convidou Clarice Lispector, que usava o pseudônimo de Tereza Quadros. Clarice Lispector foi também Helen Palmer na seção “Correio Feminino – Feira de Utilidades”, publicada às quartas e sextas-feiras, no segundo caderno do Correio da Manhã, de 21 de agosto de 1959 a fevereiro de 1961. Em 1960, Clarice Lispector passa a escrever mais uma coluna feminina, agora no Diário da Noite, do Rio de Janeiro, como ghost writer da modelo e atriz Ilka Soares, símbolo de beleza, fama e feminilidade naquela época. A coluna vigora de abril de 1960 a março de 1961. Clarice Lispector lida com a atividade jornalística levando-a, na maioria das vezes, para relatos, histórias, pequenos contos, questionamentos, textos que fogem ao que é crônica stricto sensu. Muitos desses textos são embriões que a autora desenvolverá em seus contos. Concomitantemente à atividade jornalística, Clarice publica contos, romances e livros infantis. Tem obras publicadas postumamente. REFERÊNCIAS: CANDIDO, A. A nova narrativa. In: CANDIDO, A. A Educação pela noite & outros ensaios. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989. Chega de cinto! Disponível em: http://personaconsultoriademoda.blogspot.com/2008/07/chega-de-cinto-clarice-lispector.html. Acesso em: 07 dez. 2024. LISPECTOR, Clarice. Amor. In: Laços de família. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. LISPECTOR, Clarice. A imitação da rosa. In: Laços de família. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. LISPECTOR, Clarice. Um Sopro de Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991, 9. ed. LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993. LISPECTOR, Clarice. Antes de ler e escrever eu inventava. In: Para gostar de ler, vol. 9. São Paulo: Ática, 1995. LISPECTOR, C. Entrevistas/Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. LISPECTOR, C. Panorama com Clarice Lispector. Entrevista à TV2 Cultura, em 1º de fevereiro de 1977. Disponível em: https://cultura.uol.com.br/videos/5101_panorama-com-clarice-lispector.html. Acesso em: 24 out. 2024. Nouveau-roman. Informações disponíveis em: https://www.etudes-litteraires.com/figures-de-style/nouveau-roman.php. Acesso em: 24 out. 2024. NUNES, A. M. Clarice Lispector jornalista: Páginas femininas & Outras páginas. São Paulo: Editora Senac, 2006. Obs.: Utilizei, apesar de não em citações, trechos de minha pesquisa sobre Clarice Lispector jornalista, publicada pela Revista FronteiraZ da PUC-SP. SOARES, Maria Isolina de Castro. Aspectos da Clarice Lispector Jornalista. In: FronteiraZ. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, nº 24, julho de 2020, p. 182-197. Disponível em: http://dx.doi.org/10.23925/1983-4373.2020i24p182-198.